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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

NOVO ENSINO MÉDIO


COMENTÁRIOS SOBRE A RESOLUÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO


A primeira impressão que se tem pela leitura do projeto de resolução é que “a educação no Brasil continua ampla para além da conta”. Em seu texto Naufrágio Curricular (ver apêndice ao final), o economista Cláudio de Moura Castro transmite uma visão bastante lúcida sobre o excesso curricular que a escola brasileira comete e a triste realidade que vivemos de uma população que aprende tudo, mas não sabe nada...

No projeto, a palavra “família” aparece três vezes, de forma bastante coerente. A primeira menção trata o ensino médio como obrigação da família. A segunda preconiza que a proposta pedagógica da escola deve estar disponível para conhecimento da família – “dar-lhe publicidade (...) às famílias” – e a terceira menção impõe à família o acompanhamento do desempenho escolar de seus filhos, nada mais justo.





Por outro lado, embora tratada no texto, a questão da família extrapola em muito a esfera educacional. Apesar de esforços ainda pouco visíveis no sentido contrário, a sociedade está vivendo uma realidade voltada para a produção de riqueza como prioridade, esquecendo-se dos laços familiares como fundamento que dá (ou deveria dar) equilíbrio às pessoas. O modelo macroeconômico capitalista produz riqueza, de fato, porém apresenta um subproduto altamente nocivo aos povos: a concentração de riqueza.

Nessa relação entre a escola e o mercado de trabalho, enquanto a primeira se propõe a “ensinar demais”, para, ao final, não ensinar nada, o mercado de trabalho exige cada vez mais o desenvolvimento de competências – de cunho técnico, de liderança, de gestão. O problema é que esse acúmulo de competências para o mercado de trabalho ultrapassa os muros da escola, seja pelos limites temporais, seja pelo despreparo dos docentes, de modo geral, seja pelo aumento crescente de complexidade que envolve os problemas humanos.

A exigência de formação de mais e mais competências para a vida resulta na necessidade do aprendizado contínuo, estendendo a vida “escolar” – daqueles que podem pagar – para dentro da vida familiar. Em outras palavras, podemos estar caminhando para uma sociedade de ricos sem família e de pobres sem trabalho – com a robotização dos ambientes de trabalho, as profissões mecanizadas tendem a sumir.

Frente a essa realidade, coloca-se a questão crucial: o que devemos ensinar aos nossos jovens? Com essa pergunta em mente, seguimos para uma breve análise do projeto de resolução, cujo objetivo é atualizar as diretrizes curriculares nacionais (DCN) para o ensino médio (EM).

As DCN formam a base nacional comum curricular (BNCC), responsável por orientar a organização, a articulação, o desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras.

Se há o lado louvável pelo cumprimento do dever do Estado em organizar o ensino, há também excessos em querer que todos aprendam tudo, quando, na verdade, a sociedade prescinde de cidadãos com esse perfil. Não precisamos que um médico conheça engenharia, não precisamos que um advogado entenda de agronomia, pelo menos não no sentido amplo. Não há dúvida de que uma formação abrangente é interessante do ponto de vista do sujeito, mas não faz sentido esperar que todas as pessoas dominem todos os assuntos.

A postura do Estado, de querer ensinar tudo a todos, se manifesta de maneira sutil quando o dispositivo legal deixa à cargo da BNCC a definição de “direitos de aprendizagem” – inserção do Artigo 35-A, lei 13.415/2017, sobre a lei 9.394/1996. Parece haver uma interpretação que causa uma inversão de valores: o direito de aprender torna-se o dever de aprender (de aprender tudo!).

Os princípios descritos no Artigo 5°, ainda que certamente primando pela manutenção de direitos do aluno, contêm afirmações filosoficamente importantes, mas que dependem de uma ruptura social que somente poderá ocorrer no longo prazo, quando o aluno puder levar para casa os valores, a mudança que a sociedade precisa, transformando sua família e seu ambiente de convivência. Todavia, não podemos deixar que essa transformação de longo prazo se traduza em currículos escolares infactíveis.

Mais ainda, enquanto a geração de riqueza continuar concorrendo com a manutenção da família, a escola, por si só, muito provavelmente não conseguirá dar conta dessa transformação social.

No Artigo 6°, o texto faz menção à indissociabilidade entre educação e prática social, assim como entre teoria e prática, para, mais adiante, fazer o gancho com a aprendizagem e a qualificação profissionais. Resta saber se as escolas estarão aptas, ainda no EM, a se aproximar do mercado de trabalho real, a expor seus alunos ao processo industrial ou de gestão empresarial, ou se o que se espera é uma “prática distanciada”, digamos... uma “prática teórica” – alunos aprendendo profissões por meio de filmes?

Não é demais destacar que as mudanças no mercado de trabalho vêm ocorrendo a passos exponenciais, visivelmente em função da agregação de novas tecnologias aos processos de produção e, particularmente, das inovações e disrupções próprias da era digital. Embora possa ajudar, a simples extensão da carga horária e inserção de conhecimentos no currículo não são suficientes para resolver essa questão. As escolas precisam ter seu corpo docente preparado, assim como devem estar preparadas fisicamente.

A propósito do currículo, o Artigo 7° o descreve como proposta que se expressa em torno de conhecimentos relevantes, porém a obrigação de tudo aprender é incompatível com um ensino direcionado para as afinidades do aluno, atrasando o seu investimento em aprender aquilo que ele realmente gosta. E, claro, entre os 13 e os 15 anos de idade, muitos alunos já puderam perceber suas tendências.

Nessa idade, o ensino de disciplinas como física ou química para alunos que tendem para as ciências humanas é um verdadeiro massacre. Um massacre que não produz resultados senão simplesmente o de ter que enfrentar o funil de entrada na universidade, onde novamente esse conhecimento se tornará irrelevante para esses sujeitos. Os itinerários formativos seriam suficientes para direcionar os alunos para suas áreas de maior afinidade? Estariam limitados apenas ao ensino técnico ou a escolas com viés técnico?

Não está claro se o elaborador do projeto de resolução tem a plena consciência das implicações que os contrastes entre uma formação básica geral e os diferentes itinerários formativos aportam aos projetos pedagógicos das escolas e se essas estariam preparadas para essa empreitada.

Por último, cabe destacar que o EM não pode ser a cura para todos os males da escola. A cura deve, obrigatoriamente, estar nos primeiros anos de ensino, sob o risco de “iniciarmos o tratamento após instalada a doença”. Em apenas três anos de ensino médio, é quase impossível se aprofundar de maneira equânime em todas as áreas de conhecimento. Também vale reforçar que a entrada em vigor do projeto de resolução implica ter em mão o planejamento de ações que deem à escola e ao docente plenas condições de garantir o seu sucesso.



Marcus M. Riether
                              
Autor: Marcus M. Riether

Pai de alunos, Estatístico e Consultor em Avaliação 
Educacional.












APÊNDICE

Naufrágio curricular

Por: Cláudio de Moura Castro
Fonte: Revista Veja, 29 de maio de 2002.
O rei Gustavo Adolfo da Suécia, para defender-se de seus inimigos, decidiu criar o mais poderoso navio de guerra. Importou os melhores construtores navais, e os cofres públicos foram sangrados para produzir um barco invencível. Mas o rei queria ainda mais invencível e mandou instalar um deque superior, com mais peças de artilharia. O navio com nome Vasa, enfunou as velas em 1628 e, sob um vento suave, singrou a baía de Estocolmo. Mas, subitamente, apenas deixando o porto, vira e afunda. Era instável, pelo excesso de canhões e pela falta de lastro.
Nossos doutos educadores e autores de livros didáticos criam currículos invencíveis. Tudo que pode ser importante é nele anexado. E, como há cada vez mais coisas importantes, o currículo vai ficando mais pesado e mais invencível. Como o Vasa, os alunos afundam sob o peso de tantos conhecimentos e de tantas informações preciosas. E, nas profundezas ignotas dos oceanos intelectuais, naufraga sua educação.
Os japoneses, contados dentre os campeões mundiais em educação, fazem seus currículos para que todos os alunos normais entendam tudo. O MEC até que enxugou os nossos, mas, no trajeto até a sala de aula, o terreno é minado. Para autores e professores, é um desdouro que até mesmo os alunos geniais possam entender tudo que se ensina. Ainda não foi enterrado o último professor que se vangloria de só dar 10 quem sabe mais que ele.
O preço de um currículo entulhado de informações – que isoladamente podem ser úteis e até interessantes – é que não sobra tempo para ser educado. É preciso pisar no acelerador para conseguir ouvir falar de tudo. Como não há tempo para aprender, decora-se. Entre reis de França, afluentes do Amazonas e derivados do carbono, acumulam-se inutilidades memorizadas. E tem a mesma sina as leis, as teorias os princípios científicos, que ajudariam a entender o mundo, se fossem entendidos.
Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, veio ao Brasil em 1950 para dar um curso para professores. Ficou estarrecido e anotou em seu livro de memórias: “ Os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o significado de nada. (…) Nada tinha sido traduzido para palavras com significado (…) Eles podiam passar nos exames e ‘aprender’ todas aquelas coisas, e não saber nada”. Após meio século, continuamos na mesma, sabendo as fórmulas e incapazes de usá-las.
David Perkins (no livro Smart Schools) nos diz claramente que, se não entendermos o aprendido, ele não servirá para nada. Aprendemos a pensar com e pensar sobre o que estamos estudando. Aprender é uma consequência de refletir a respeito do que está sendo apresentado em aula. À visão convencional, adquirimos um conhecimento e depois aprendemos a usá-lo. Trágico engano. Aprendemos somente pelo ato de pensar no que estamos aprendendo. E o conhecimento só é realmente adquirido quando podemos pensar usando o que foi aprendido. Mas o nosso Vasa curricular não deixa tempo para que isto aconteça. Resta aos alunos a lembrança de haver ouvido falar de muitos fatos e muitas teorias. O preço da sobrecarga de informação é a falta de profundidade, é a incapacidade de usar o que parecia ter sido aprendido, mas que era um conhecimento inerte, inútil e que não pode ser mobilizado para entender o mundo e resolver problemas.
É preciso coragem para dizer não à avalanche curricular. E muitas vezes um professor individualmente não pode fazê-lo, pois há provas e maratonas curriculares a ser cumpridas a ferro e fogo. Mas é aqui que se define o futuro de um país. Queremos continuar com uma população que ouviu falar de todas as teorias, mas não sabe usar nenhuma? Que recite os ossos do pé e centenas de nomes da taxonomia de Lineu? Ou queremos que entendam o manual de instrução? Tudo está na internet. Mas decidir o que buscar e usar bem o que encontrou é para aqueles que aprenderam a articular seu raciocínio. Nossos alunos continuarão tendo o mesmo destino do Vasa, com currículos invencíveis e tendo sua educação afundada pelo excesso de peso?

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